Salvador Ligabue. Foto do dia 24 da abril de 1972.
* 15.02.1905 † 09.03.1982
CASA DE CULTURA "SALVADOR LIGABUE"
Largo da Matriz Nossa Senhora do Ó, 215
Freguesia do Ó - São Paulo Telefone 3931-8266
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A Freguesia do Ó que em 29 de agosto comemora o aniversário de sua fundação, foi palco de acontecimentos que marcaram a sua história, sua tradição, sua cultura e sua arte.
Suas colinas, presenciam a chegada dos primeiros colonizadores da região. Em suas terras, a cultura da cana-de-açúcar desenvolvia-se favoravelmente promovendo a fixação dos novos habitantes. De suas entranhas, o colonizador extraiu o primeiro ouro do Brasil, então recém descoberto.
Passam-se os anos, e do alto de suas colinas, o habitante da Freguesia, vê deslizar no calmo Tietê, as embarcações conduzindo os Bandeirantes em busca do sonhado Eldorado.
Posteriormente, chegam à Freguesia do Ó, escolhida como primeiro pouso, os soldados brasileiros que partiam para a guerra do Paraguai.
Alvorece o século XX e a 27 de janeiro de 1901 é inaugurada a nova Igreja Matriz da Freguesia do Ó. O bairro cresce lentamente, espalhando-se pelas encostas, mantendo todavia aquele ar provinciano, com suas estreitas vielas e seu centenário casario.
Em 1929, integra-se à comunidade um novo personagem: andar apressado, de mediana estatura, nada aparentemente distinguindo-o dos demais habitantes.
Somente na aparência porém. Na verdade, era um homem incomum, dotado de uma alma sensível, artista por vocação e que soube transmitir em sua obra toda a genialidade e amor: SALVADOR LIGABUE.
Salvador Ligabue, nasceu em Itatiba, SP em 15.02.1905, filho de pais italianos. Ainda menino, sua família transferiu-se para a capital, passando a residir no bairro do Belém, onde permaneceu até 1929.
Sua inclinação para as artes começou a manifestar-se muito cedo, e espontaneamente. Contava ele, que quando menino ainda, costumava desenhar sua mãe executando tarefas domésticas. Mais tarde, procurou aprimorar essa tendência inata freqüentando cursos de desenho e pintura. Interessou-se também na juventude pelo teatro, tendo inclusive participado como ator em espetáculos teatrais e em outros eventos artísticos em seu bairro.
Seus primeiros trabalhos se orientaram no rumo da pintura sacra tendo inicialmente colaborado na decoração de várias Igrejas da Capital como as da Consolação e de São João Batista no Brás.
Depois, como autor exclusivo, realizou uma série de pinturas murais em Igrejas e Capelas da Capital e do interior.
Entre as Igrejas que têm ou tiveram trabalhos seus, figuram a de São Geraldo das Perdizes e de Santo Antonio da Barra Funda (já demolida), do Cambuci, de Vila Nova Conceição na Capital.. No interior, destaca-se especialmente o trabalho realizado na Igreja do Rosário de Bragança Paulista (atualmente um pouco alterado em virtude da restauração feita por outro artista).
Seu primeiro contato com a Freguesia ocorreu em virtude da visita ao antigo Seminário Provincial de São Paulo onde seu irmão estudava, preparando-se para a vida religiosa (depois da ordenação, seu irmão, Cônego João Ligabue foi durante 30 anos Pároco do Tucuruvi).
Posteriormente, foi convidado para realizar alguns trabalhos na Igreja Matriz de Nossa Sra. do Ó pelo Pároco Aguinaldo José Gonçalves. Pinta inicialmente a nave central da Igreja escolhendo como motivo principal a Imaculada Conceição. Consumiu nesse trabalho, cerca de dois anos.
Desde então (1929), passou a viver na Freguesia do Ó, ausentando-se entre os anos de 1941 a 1946 quando residiu em Bragança Paulista (na ocasião em que decorou a Igreja do Rosário daquela cidade).
Ligabue, aos poucos, finca raízes em nosso bairro. O espírito pacato da população, a inspiração que a paisagem e os motivos urbanísticos proporcionavam à sua obra, certamente colaboraram, e muito, para que isso ocorresse. Em 1933 casa com Dna. Fortunata, filha de antiga e tradicional família do bairro.
Ao retornar ao bairro, após concluir a pintura da Igreja de Bragança Paulista, Ligabue inicia na Matriz de Nossa Sra. do Ó, a pintura da capela do Santíssimo Sacramento, talvez seu trabalho de maior expressão. Pinta e decora também o altar-mor, trabalhos esses também executados em cerca de dois anos.
Paralelamente à pintura sacra, realizou também inúmeros trabalhos em óleo sobre tela, aquarelas e trabalhos em nanquim. Os temas sempre variados: retratos, naturezas mortas, paisagens, cenas do cotidiano. Grandes partes desses trabalhos retratam cenas e recantos da Freguesia do Ó.
Fatos pitorescos dessa fase da vida do artista, merecem ser recordados, pois ajuda-nos a conhecer melhor o Homem, o Autor de tão belas obras:
Imaginar a dificuldade que apresenta, o cansaço que causa, uma pintura mural, principalmente quando executada em um teto. Quando trabalhava na Capela de nossa Igreja, era natural que algumas vezes ao dia, Ligabue descia dos andaimes a fim de descansar, tomar um café, refazer as forças enfim. Pois bem, algumas senhoras, certamente ansiosas em ver o trabalho terminado o quanto antes, queixaram-se ao Pároco que o Pintor estava demorando muito em seu trabalho, que assim não era possível e etc: "O Salvador interrompe muito o seu trabalho" reclamavam elas. Ligabue, sabedor desse fato, ficou irritadíssimo, ameaçando abandonar o trabalho. Bastou todavia a sua família convence-lo que não deveria tomar essa atitude, e ei-lo, já na alvorada do dia seguinte a postos continuando sua obra.
Outro fato, também na aparência simples, porém repleto de ternura, mostra-nos um Ligabue, pai amoroso e dedicado. Realizava ele, o revestimento do nicho do altar-mor onde localiza-se a imagem de N.Sra.do Ó, revestimento esse feito com finíssimas folhas de ouro. Essas folhas vinham acondicionadas em pequenos livros, os quais quando vazios, Ligabue os levava para casa a fim de presenteá-los aos filhos. E como aqueles filhos aguardavam ansiosos a chegada do pai, trazendo o tão almejado livrinho!
Ligabue possuía uma profunda formação religiosa. Diariamente, ao retornar do trabalho, reunia-se com a esposa e seus 12 filhos, para juntos rezarem o terço. Essa religiosidade, essa firmeza na Fé acham-se indelevelmente exteriorizadas em sua obra.
Além de pintura, o ensino foi outra atividade que exerceu durante muitos anos, tendo lecionado desenho em diversas escolas particulares e públicas da Freguesia do Ó e de outros bairros paulistanos.
A fim de poder lecionar, não possuindo título universitário, Ligabue, necessitou apresentar ao Ministério da Educação, currículo detalhado de sua atividade como artista. Ligabue não limitou-se a apresentar apenas o currículo: junto, envia algumas de suas obras, hoje expostas na sede do Ministério em Brasília.
Começou sua carreira no Magistério, na primeira escola de nível médio (antigo ginásio) que existiu na Freguesia do Ó: O Ginásio Teresa F. Martin (que funcionou na Av. Paula Ferreira onde hoje há um conjunto de edifícios).
De todos os estabelecimentos de ensino onde lecionou, foi a EEPSG "Professor Jácomo Stavale" aquele onde permaneceu mais tempo e ao qual esteve mais ligado. Nele permaneceu desde a sua criação até o momento em que deixou a atividade docente por problemas de saúde em setembro de 1969.
Como professor de desenho no Jácomo Stavale, decorou a sala de atividades do Curso de Magistério com motivos extraídos do Sítio do Pica-Pau Amarelo de Monteiro Lobato.
Era muito estimado e respeitado pelos seus alunos, graças à compreensão e amizade que a eles devotava. A respeito, colhemos alguns depoimentos de ex-alunos seus: conta-nos José Antonio Schiavolin, que juntamente com o Professor Ligabue, percorriam diariamente o mesmo caminho, pois moravam próximos. Certo dia, porém, em classe, desentenderam-se. Ligabue, no retorno após as aulas, inicialmente manteve-se silencioso. Aos poucos, serenamente, ponderando tudo que dizia, fez ver a José Antonio, o quanto era importante a compreensão e o diálogo. A partir desse dia, a amizade entre ambos estreitou-se ainda mais, aliada a uma sempre maior admiração do aluno em relação ao mestre. Carlos Alberto Horvath, ex-aluno do Colégio Claretiano, lamenta não ter usufruído devidamente em virtude de sua pouca idade, toda a dedicação e empenho que o Professor Ligabue dispensava a seus alunos. Lembra-se, saudoso, da volta a casa junto com o Professor Ligabue, no mesmo ônibus que os conduzia a Freguesia do Ó.
Desde que se estabeleceu na Freguesia em 1929, Ligabue revelou um profundo interesse e uma grande ligação com a vida do bairro. Participou sempre, ativa e intensamente das atividades comunitárias locais, quer fosse religiosas, políticas, cívicas, culturais ou sociais. Entre outras funções exerceu também o cargo de Juiz de Paz e de Presidente da Associação de São Vicente de Paula (Vicentinos).
Sua vivência, sua participação e sua identificação com a Freguesia do Ó se revelam e se traduzem em sua obra. Ruas, recantos, cenas do bairro foram retratados através de sua sensibilidade que conseguiu imprimir na tela a cor, a atmosfera, o encanto a nostalgia o "ar" da velha Freguesia.
Salvador Ligabue, faleceu em 09.03.1982.
Este texto foi extraido do Informativo "Caminhada", número 11, do mes de agosto de 1985, em entrevista concedida pela Sra. Fortunata, viúva do artista, e pela sua filha Anésia.
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